quinta-feira, 26 de novembro de 2009

José Celso dará workshop no Rio!


O workshop do Zé Celso acontecerá de 07 até 11 de Dezembro de 2009.
Local: Centro Cultural Calouste Koubenkem.
Rua Benedito Hipólito 125, Pça Onze - Rio de Janeiro
Horário: das 18h à 01h da manhã.

Ele estudará o espetáculo "Cacilda !!!" (do TBCéli à Glória da Rainha Decapitada), peça que recontará a vida de Cacilda Becker no período fértil de sua carreira no TBC ( Teatro Brasileiro de Comédia).
Ano passado ele esteve no Rio e selecionou duas atrizes para integrarem o elenco dos espetáculos Cacilda !!! e "O Banquete" de Platão.
Esta pode ser a sua chance!
As vagas são limitadas!
O valor do workshop é R$800,00
Os telefones para contato são: (21)2512-4903 ou (21)8229-9889 com Thiago Chagas.

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Orgia Solar

A mente flutua numa ausência,
num vazio de palavras,
nada a dizer,
apenas flanar na vastidão dos espelhos
planos, côncavos e convexos;
nas imagens multiplicadas
ou divididas, já não sei ao certo,
são tantas, que me aborreço.
São imagens de corpos sobre corpos
desnudos, carnudos e libidinosos,
amontoados e lambuzados,
numa orgia solar quase religiosa.
Minhas pálpebras aquecidas reagem fastidiosas.
Flutuo sobre os corpos espelhados,
nada a dizer, sou um reflexo,
das massas abdominais,
dos bíceps e tríceps,
panturrilhas e glúteos.
só imagens de imagens.
Um labirinto sem fim.

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

Ponte de Euclides da Cunha




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Euclides da Cunha construiu essa ponte sobre o rio Pardo e certamente contemplou as águas barrentas e velozes passarem através das estruturas de aço, que se aprontavam. Uma curiosa metáfora se apresenta nessa cena do rio e a ponte: o caudal da vida instintiva fluindo sob a ponte da razão calculista entre o mundo selvagem e a civilização. Uma relação matrimonial que lhe escapava, fluía indiferente ao impacto da matança republicana de Canudos e sua decepção com essa guerra da oligarquia.
Euclides quando decidiu entrar nas águas da paixão, o fez para lavar a honra e não para reconquistar um amor. Nadou contra a corrente e sucumbiu. Não há positivismo que vença um grande amor. Seu erro foi o menosprezo pela vida amorosa.

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

Ateliê Voador - Novarina em ação

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Quem não assistiu da 1ªvez, poderá ver nessa curta temporada a reestréia do Ateliê Voador, no Espaço Cultural Sérgio Porto, Rio de Janeiro, até 25 de Outubro. Uma dramaturgia conceitual.
O que se vê é, em resumo, o que não se vê desde a Revolução Francesa. O povo pode tomar o poder um milhão de vezes e continuará refém da manipulação, porquê?
Essa é a questão, que Novarina tangencia e abrre possibilidades de reflexão. Através de textos caudalosos, que é a sua marca registrada, procura a desconstrução dos significantes e busca encontrar novos significados linguísticos, que rompam com a tirania dos controles sociais.
Senhor Boucot é um personagem manipulador, mas é uma metáfora da imagem do pensamento ocidental contemporâneo, que se realiza pela langue, a massa trabalhadora demanda entender os significados do mercado, mas nada entende, porque é operada pela pobreza dos significados da sua parole. Madame Boca é seu instrumento, através do poder ideologizante de certas práticas psicanalíticas de reprodução de poder, por exemplo.
Em suma é isso, mas isso é de vital importância para todos nós. Me faz lembrar Deleuze e Guattari no livro Linguagens Menores, que incentiva a produção de novos conceitos linguísticos, como dialetos e gírias, que desterritorializam o poder da langue.
A amplitude dessa IMAGEM DO PENSAMENTO vigente, relaciona o corpo, a sexualidade, as doenças, as profissões, a arte, a economia, as leis, a vida em si.
"Fala para os atores pensarem com os pés" , essa frase dita por Novarina, foi o mote dessa desconstrução e é pelos pés que fazemos nossas caminhadas, por que não as fazemos assim, criando novos códigos e conceitos? Esse é o grande temor do capitalismo. Códigos que ele não alcance.
A cena é bem trabalhada, os atores desempenham bem seus papéis, com um destaque especial para o Senhor Boucot(me parece um neologismo de beaucoup, bem apropriado para o que entendemos como mais-valia) e Senhora Boca, pela dificuldade de decorar um texto tão volumoso, que também se deu em A Inquietude, do mesmo autor com excelente interpretação de Ana Kfouri.
O uso de caixas de papelão é uma solução muito interessante, obtendo bons resultados de mobilidade; quanto ao figurino e luz são regulares e o som foi bem elaborado.

“ESTRELA BRAZYLEIRA A VAGAR – CACILDA!!” em SP

TEATRO OFICINA ESTRÉIA EM SAMPA
NO DIA 3 DE OUTUBRO
ÀS 18 HORAS
“ESTRELA BRAZYLEIRA A VAGAR – CACILDA!!”

Uma produção da Associação Teat(r)o Oficina Uzyna Uzona.
A Primavera de 2009 será diferente, pré anunciada pela energia de ressurreição que traz para a cena a eterna Cacilda Becker, em montagem da companhia Teatro Oficina Uzyna Uzona com patrocínio da PETROBRAS.

A Cia. Teat(r)o Oficina Uzyna Uzona faz a estréia de ESTRELA BRAZYLEIRA A VAGAR – CACILDA!! (duas exclamações) para uma curta temporada que conta com o patrocínio da Petrobras através da Lei de Incentivo à Cultura do Governo Federal.

Escrita e dirigida por José Celso Martinez Correa e Marcelo Drummond, CACILDA!! estréia em SamPã, para despertar a Primavera em nosso corpo de multidão, como aconteceu com a Tropicália em 1967, no mundo inteiro em 1968 e nos anos 40, com a geração de Cacilda Becker.
Os ingressos para CACILDA!! custam R$ 40,00 mas clientes do Cartão Petrobras, com acompanhante, pagam meia entrada, R$ 20,00, assim como estudantes, sindicalizados, e moradores do Bairro do Bixiga que apresentem comprovante de residência.


Mesmo durante a segunda Guerra Mundial e a Guerra Fria, tempo em que se passa a peça, no Rio de Janeiro, capital do Brasil, renascia a Primavera no corpo da geração que pariu a Cultura e o Teatro Brasileiro Moderno.

Cacilda aos 20 anos de idade chegava à Cidade Maravilhosa, onde um coro imenso de protagonistas renascia na Arte de Dionísios nos Trópicos do Hemisfério Sul: Vila Lobos, Oscar Niemeyer, Lina Bo Bardi, Oswald e Mário de Andrade, na Cinédia, na Atlântida, nas Escolas de Samba do Rio de Janeiro, com Luiz Gonzaga, os artistas da Rádio Nacional que inventaram a Era de Ouro, do Samba, do Baião.

O Qorpo Santo de Teat(r)o Oficina Uzyna Uzona, grávido destas energias invencíveis, bárbaras, da juvenilidade, ensaia pra anunciar que queremos estar prontos para ser Proibido Suicidar-se na Primavera, nome de uma das peças que Cacilda fez ainda no tempo da Guerra, na primeira metade dos anos 40, substituindo Bibi Ferreira. Um Coro de Protagonistas de Artistas, atuadores, multimídias, animados por mais de uma exclamação: duas, !!, de Cacilda Becker menina-moça, preparamo-nos para termos nós e o nosso público, 20 anos de novo, pra trazer vida ao luto, à descrença em corpos possuídos pela crise de envelhecimento terminal do neoliberalismo.

A Estrela Brazyleira a Vagar - Cacilda!!, nos guia hoje a brilhar. Como o Renascimento saltou da Idade Média retornando ao Paganismo pra reconquista do Poderio Humano nós retornamos à geração que criou uma Primavera em plena 2ª Guerra Mundial conquistando a Paz, re-existindo no início da Guerra Fria encontrando seu pouso no Teatro-Arte inseparável da Arte-Vida.

A Criação deste espetáculo é orgyástica. Realizada ao vivo, a partir de um texto escrito por encenadores e tem como corifeus Marcelo Drummond, Camilla Mota, a poeta Catherine Hirsh, José Celso Martinez Corrêa e todo Tyazo, que é como se chama na língua de Dionisios uma Companhia de Amores de Teat(r)o.

SINOPSE
O público entra pelas clássicas cortinas vermelhas de um Teatro, como saindo dos bastidores desta Arte. Nós e público brincamos então com o bebezinho ainda, teatro moderno brasileiro. Mais especificamente com o de Cacilda:

“Todos os Teatros são meus Teatros”

O público topa de cara com os Atores nos Camarins, a Banda afinando-se, os operadores de Luz e Som iluminados, Imagens projetadas nas telas, na pista de rua com as curvas da Praia de Cocapabana, o Pão de Açúcar, sons, trazendo a ambiência Sonora, Visual dos anos 40.

A peça inicia-se com a projeção do final do 1º ato no DVD de Cacilda! estrelado por Bete Coelho na cena em que Cacilda despede-se de sua família e seus amigos da juventude para partir para o Rio com uma carta de Miroel da Silveira indicando-a para atuar no TEB, Teatro de Estudantes do Brasil, dirigido por Maria Jacinta. Levada por Brígida Vaz, protagonizada por Lígia Cortez, personagem da prostituta do Auto da Barca do Inferno de Gil Vicente que a conduz à Barca do Inferno: os subterrâneos do Oficina. Bete Cacilda entra no Inferno, as portas da Terra se fecham e quando reabrem, ao vivo, Cacilda Ana Guilhermina sai do mesmo subterrâneo, agora a Central do Brasil do Rio de Janeiro, para começar sua carreira de atriz na Capital da República do Brasil, no máximo de seu esplendor, uma Ilha de Paz como Havana, Casablanca, no Mundo em Guerra, mas ainda fora dela. Assiste à chegada, vinda do Aeroporto Santos Dumont, da Banda Americana de Eddie Dunchin.

Recém chegada ao Rio, Cacilda escrevia mais de três cartas por dia à família contando tudo, desde a marcação de seu primeiro ensaio, dos seus inúmeros namorados. Estas cartas do acervo de Dona Alzira, mãe de Cacilda, foram-nos passadas por Maria Thereza Vargas, a grande memorialista do Teatro Brasileiro e especialista em Cacilda de quem foi a melhor amiga. Estão com Cleyde Iáconis, que através de Maria Thereza fez chegar a nossas mãos. São escritos de uma pensadora da vida na Arte. Mereciam publicação em facsímile, como as cartas de Artaud. Elas inspiraram a escrita fazendo com que Cacilda seja co-autora também. Além de suas reflexões, conta de seus vestidos, sapatos, penteados, crises, seu salto brusco do Teatro sério de Dulcina de Moraes para a Cia. de Raul Roulien, cantor, diretor, ator de teatro, criador da “Cidade-Cinema”, por quem Cacilda se apaixonou quando o viu aclamado pela multidão como um Papa regressando de Holywood.

A partir da teatralização desta correspondência, vemos passar a vida de Cacilda Becker nos Anos 40 em meio a todas as personagens que movimentavam o Brasil e o mundo nessa época, como as Cantoras do Rádio, Emilinha Borba e Marlene, que se reencontram com suas macacas em Cacilda!!, interpretadas respectivamente pelas cantoras Cellia Nascimento e Adriana Capparelli; Jean Sablon, cantor da 2º Guerra, recém chegado ao Brasil no Porto de Santos, escapado da captura da França pelos nazistas; o jovem repórter Tito Fleury, que na peça namora, noiva e se casa quando Cacilda faz O Vestido de Noiva; o próprio Nelson Rodrigues; Grande Othelo; Ziembinski; Bibi Ferreira; Dona Alzira e a atriz Cleyde Yaconis, mãe e irmã de Cacilda. E muito mais: Abdias Nascimento; Dulcina de Moraes; Maria Jacinta; e o cinema da Atlântida.

Cacilda além de abrir uma agência de propaganda no Rio, escrever programas de Rádio, era free-lancer na Imprensa Carioca. Deixou uma reportagem maniacamente minuciosa sobre o set de filmagem de Luz dos Meus Olhos que nos permitiu realizar uma cena de cinema no Teatro, das mais aplaudidas no Rio de Janeiro. Nela está Celso Guimarães, o maior galã do cinema, e o diretor e grande compositor José Carlos Burle, o produtor Fenelon, o magnífico Edgard Brasil, fotógrafo de Limite e Grande Othelo, magistralmente interpretado por Adão Filho.

As Cartas de Cacilda constituem o roteiro dessa escritura, inspirando o ardor, o fogo de nossa fantasia. Agora que ela está sendo posta em cena, continuamos sua escritura cada vez mais ritmada e criadora, nos bits já eletrônicos da respiração musical da beleza desta Atriz Matriz. Dançarina desde 2 anos de idade, trouxe a velocidade de dançarinos como Nureiev para a cena, um passo para cada nota musical, assim trazendo o corpo musicalizado em cada ato, palavra, sílaba.

A peça tem como um dos pontos mais marcantes a intimidade dos bastidores, ensaios na vida e nos palcos, telas, rádios, dos mortais, que construíram antes de nós, essa delícia que vivemos hoje, a da vida de artista.

É o teatro sendo teatro do teatro, teatro do Rádio, do Cinema, da Revista, enfim, fazendo teatro de todos os teatros com todos os presentes entrando no gozo e na miséria da vida de artista, na música, dança, fantasias das personas e dos coros em chanchadas, dramas sentimentais, dramalhões, tragédias pulsionadoras dos corpos de carne-e-alma em contracenação com a memória rediviva elétrica, digitalizada nos sons, imagens, luzes, massageando este despertar pra vida aqui agora.

A peça traz ainda o encontro da geração dos grandes diretores como Ziembinski, Turkov, Wylli Keller, refugiados do Nazismo, com a talentosíssima geração de Cacilda e o Teatro Experimental do Negro, criado por Abdias do Nascimento, interpretado por Marcio Telles. Esse grupo de atores afro-brasileiros, que tinha talentos como Ruth de Souza e Léa Garcia, trouxe para o Teatro o que a música brasileira já trazia: a contribuição milionária do Ditirambo Afro Brasileiro: o Samba, o Suíngue, o Soul, a Macumba. Cacilda faz com Abdias a cena de Othelo em que este mata Desdêmona, cena interpretada como um ritual, não um assassinato mas uma Morte Iniciática. Depois em Terras do Sem Fim de Jorge Amado, com música de Dorival Caymmi, sua maior produção em tempo record de composições, há a entrada definitiva da Macumba no Teatro Brasileiro, antecedendo todo nosso atual trabalho da Ópera de Carnaval ElektroCandomblaica. Foi o maior escândalo no Teatro Copacabana do Rio, ver pela primeira vez nascer um teat(r)o mítico devorando o teatro branco ocidental.


CONSTELAÇÃO

Anna Guilhermina, vinda muito jovem para as 27 horas de Os Sertões, atuou grávida. Sua bolsa abriu num ensaio aberto de O Homem I em que fazia uma vaca leiteira buchuda para o público. Logo voltou a atuar nos Sertões dando seu leite para o público na mesma cena em que pariu Lyrio, seu filho, batizado num ritual teatral no Teat(r)o Oficina. Fez Vento Forte para um Papagaio Subir, Cypriano y Chantalan, Os Bandidos, de Schiller e As Bacantes de Eurípedes em Araraquara, preparando-se para correr o mundo. É agora a protagonista de Estrela Brazyleira a Vagar - Cacilda!!.

Outras Cacildas emergem na peça, mas ela é a coluna dorsal, com as energias mais belas e criativas de sua juventude determinada e voluntariosa como Rosalinda de As You Like e Cleópatra, únicas personagens comparáveis a Cacilda Becker.
A alegria, os nervos dessa menina magrinha, contagiaram e foram contagiados pela geração re-criadora de nossa cultura, depois do modernismo e da Antropofagia.

As outras Cacildas serão vividas por Luiza Lemmertz, Ana Abbot e Juliane Elting. Bibi Ferreira está em Camila Mota e a belíssima Laura Suarez em Sylvia Prado. A música é levada ao divismo por atrizes cantoras em cena: Adriana Capparelli, Cellia Nascimento, Juliane Elting, Letícia Coura e Naomy Scholling recriam a dominante musical da peça, o Samba em sua Idade de Ouro, e vão além, fazendo uma cena marcante em que todas cantam Árias das suicidas da ópera, entre elas Tosca e Madame Butterfly. Cellia Nascimento canta a Bachiana nº 5 de Villa Lobos transposta para sua voz soul, aprofundando o sutil samba latente nas cordas de Villa Lobos e trazendo a revelação da beleza dos versos da obra. Fabianna Serroni faz Ana Badaró em Terras do Sem Fim.
Vera Barreto Leite encarna Cacilda Estragon, de Esperando Godot; Madame Clecy no Vestido de Noiva; Clara Zanassian de A Velha Senhora; uma atriz da Companhia Raul Roulien, Rosita Berta, já caminhando para a demência, e sua tia, a crítica magnífica de Teatro e atriz de Teatro e do Cinema Nacional, Luisa Barreto Leite.

O elenco masculino é formado por Marcelo Drummond que além de co-escrever, co-dirigir e fazer a Iluminacão da peça, interpreta Raul Roulien, e Procópio Ferreira. O Jovem Ziembinski é vivido pelo ator cubano Hector Othon. Nelson Rodrigues e Getúlio Vargas são vividos por Victor Steinberg e Acauã Sol é o Anjo Caixa de Cacilda. Adão Filho é Grande Othelo e Sadi Cabral; Anthero Montenegro faz o cantor Americano Jonny Donald da banda de Eddy Duchin, interpretado por Rodrigo Jubeline. Freddy Allan vive Dulcina de Moraes trazendo toda a vivência de seu trabalho de renascimento do Teatro Dulcina no Rio. Lucas Weglinski é Miroel da Silveira, o produtor Fenelon da Atlântida e Turkov, diretor ator judeu alemão, célebre em todo mundo por sua Companhia Internacional em iídiche. Diretor de Terras do Sem Fim de Jorge Amado, Mariano Mattos protagoniza Celso Guimarães, ídolo das novelas da Rádio Nacional, galã do filme Luz de Meus Olhos. Rodolfo Dias Paes faz Tito Fleury, com quem Cacilda se casa. Adriano Salhab, músico, interpreta o Pastor Polônio, vindo de Hamlet. A peça é brilhantemente fechada por Ariclenes Barroso, ator vindo pro Oficina aos 10 anos de idade, para o Bixigão, trabalho do do grupo com as crianças do Bexiga. Morador da ocupação do prédio da Caixa Econômica pelos Sem Teto, teve sua família desalojada do edifício pelo Grupo Sílvio Santos e foi morar longe do teatro, mas seu talento excepcional atravessou todos obstáculos, atuando nas 27 horas de Os Sertões, em Taniko, nô bossanova trans-zênico, Cypriano e Chantalan de Luís Antônio e Os Bandidos de Schiller. Em Cacilda!! faz Sérgio Cardoso Hamlet que vem tirar Cacilda do ostracismo, do isolamento numa fazenda em santa Rita do Passa Quatro para onde fugira com o marido perseguido pela polícia por pertencer ao Partido Comunista que havia sido colocado na ilegalidade pelo marechal Dutra. Sérgio Cardoso fez Hamlet com 18 anos e Ariclenes o faz com 16. Seu talento explode como um dos Hamlets mais fortes da história do Teatro. Confira, pasme, acredite, nasce um gradissíssimo Ator brasileiro. Ariclenes é o signo talvez mais forte, revelador desta Constelação nova no Teatro Brasileiro nascida juntamente com a Estrela Brazyleira a Vagar - Cacilda !!”


TEATRO MUSICAL BRASILEIRO

A Estrela Brazyleira a Vagar é um musical dirigido por três grandes músicos: Guilherme Calzavara, ao mesmo tempo baterista, soprista e líder da Banda; Adriano Salhab, guitarrista e rabequista, e o percussionista Ito Alves, icto, Ogan dos Ritmos, dos Cantos, danças e Falas Rimadas em Versos. A trilha é composta pelos muitos músicos atores e atrizes nas letras de José Celso Martinez Corrêa que com Marcelo Drummond dirige este empreendimento gigantesco atravessando heróica, doida e prazeirosamente a era da ditadura dos Monólogos.

A trilha ao vivo traz músicas de todas as épocas antropofagiadas, como Grande Othelo antropofagiando o Otelo de Verdi com os corais da orquestra Afro-Brasileira do Teatro Experimental do Negro mas ainda trazendo a época da política de boa vizinhança nos desenhos de Walt Disney - criamos um Zé Carioca vivido pelo músico ator Guilherme Calzavara, o Pato Donald vivido por Anthero Montenegro e Tio Patinhas, vivido por Acauã Sol. No contra-baixo Marcão Leite, na guitarra Zé Pi, na guitarra e piano Rodrigo Jubeline.

Mas o mais forte da peça é a Forma Coral Musical com protagonizações emergindo dos coros, inclusive a de Cacilda Espinha Dorsal que ampliará sua cumplicidade com o Qorpo Santo de sua Família: Dona Alzira, Dirce, Cleyde, toda a Companhia, e todo o Público.


BASTIDORES

Os figurinistas Olintho Malaquias e Sônia Ushiyama farão o milagre dos figurinos metamorfoseantes, trazendo o charme dos anos 40, a fantasia de misturar personagens míticos, humanos, semi-animais, personagens de peças, filmes de muitas épocas, fantasias de Escolas de Samba.

O Espaço Cênico criado pelas Arquitetas Cris Cortílio e Carila Matzenbacher são os bastidores do Teatro Mundi, pois nele entram desde os estúdios da Atlântida, a Roda dos Cassinos do Rio, o Pão de Açúcar, o Porto de Santos, as neves de Mayerling, os Morros do Rio, a Avenida Rio Branco, o Barco dos Comediantes, etc.

O vídeo trará a crescente penetração da era digital no Teatro e nos seus bastidores atuais e históricos dos anos da 2ª Guerra Mundial, da Explosão de Hiroshima, cenografando, ativando, trazendo a presença do público para atuar. O grupo é composto por Cassandra Mello, Jair Molina, Renato Banti, Joana Camargo e Joaquim Castro.

Na Direção de Cena emerge o talento de Rafael Ghirardelo e na contra-regragem Aguinaldo Rocha. Nos camarins Cida Melo, já de nossa Primeira Guarda, e a iniciante “primo canto” Inara Gomide.

Marcelo Drummond cria a Luz com Ricardo Morañez, operada por Karine Spuri.

O músico cyber Rodrigo Gava cria e opera a sonoplastia complexa, invocando as vozes dos artista dos anos 40, criando ambiência da instalação do Teatro Bastidor dos anos 40 -2009 e a trilha do desenrolar da peça com Ramon Monteiro que também faz a operação de microfones.

Na assessoria de comunicação e pesquisa, o Chefe de Gabinete Valério Peguini

No projeto gráfico Mariano Mattos Martins

No sítio-rede Tommy Pietra

O talento da Produtora Ana Rúbia de Melo, uma das generais mais importantes da Expedição de Os Sertões a Canudos, comanda mais este desafio: “Os Cacildões”, com direção executiva de Camila Mota.

Produtores executivos de cena: Valério Peguini e Mariana Oliveira.
Na Administração Simone Rodrigues e Aury Porto. Na secretaria Vanessa Tomaz

E na Zeladoria Anderson Puchetti



SERVIÇO

ESTRELA BRAZYLEIRA A VAGAR – CACILDA!!
Temporada: 3 de outubro a 15 de novembro de 2009
Sessões: sábados e domingos, às 18 horas
Duração: aproximadamente 6 horas
Ingressos: R$ 40 (inteira) e R$ 20 (meia entrada)
Local: Teatro Oficina – Rua Jaceguai, 520, Bixiga, SP
Telefone: 3106-2818 / 3106-5300
Site: http://www.teatroficina.com.br/

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

O texto no teatro pós-moderno




A discussão do valor do texto dentro da cena dramática, só tem sentido no teatro de vanguarda.


Nesse contexto, vale a pergunta: o que há ainda para ser representado no teatro de vanguarda? Nada! Nada mais há. A representação teatral esgotou-se pelo desgaste do despotismo do texto encarnado no palco.


O logos exige daquele que o rouba para si, o ator, uma obediência e submissão, que transcende o sentido poético e virtuoso do ator, obrigando-o ao simulacro, tomada da região das cópias. Aqui ao aproximarmos da atuação, seja pelo viés russo ou pelo alemão, ainda assim, o que vemos são os simulacros, que usam as singularidades de vida própria do ator.


Todavia, o texto não foi jogado no lixo, só que admite-se ser um componente que entra na cena, para ser "demonizado", diferentemente do que ocorre com o teatro tradicional, onde só há cena se houver texto. O teatro pós-modeno é capaz de exercer a cena independente de qualquer texto. Este é o fascínio. Um teatro de expressão permanente, onde o exercício da liberdade e das convicções fortes e potentes leêm o cotidiano mesquinho, vaidoso e submisso, para transformá-lo.


Os manuscritos sagrados sempre exerceram um poder absoluto sobre seus leitores, a ponto de execrar qualquer tentativa de exegese diferente da literal e ao relativizar os fatos ocorridos, como o que ocorreu com os liberais, que leram a Bíblia com um olhar mais cético e menos crédulo, foram alvo de muitas críticas.


Esse exemplo serve como ponto de apoio para o novo sentido a ser dado no teatro pós-moderno, onde o logos nada exige e ao contrário, serve de degustação, como um elemento da celebração dionisíaca, não abduzindo a mais ninguém.


Agora, são os atores que interferem no texto, a ponto de desconstruí-lo, onde são as personagens, as personas, que deverão ser operadas pelas expressões existenciais de cada ator, não mais emprestando-as ao exercício do ofício e sim, vivendo suas vidas como dispositivos sobre o texto. Poderá ser o caso de termos várias Desdemônas sodomizando Iago em Otelo de Shakespeare, ou as filhas de rei Lear, como filhos cometendo um parricídio totêmico, não cabe dizer o que se pode fazer a partir de um texto.


Cada companhia de teatro, seja de rua, de lona, mambembe, ou com seus próprios espaços singulares, são capazes de trabalhar seus dispositivos e sentidos, mexer o logos como lhe convier, através de uma leitura latente, sintomal e obscura aos olhos acostumdos pela literalidade. Enterrando de vez com o suplício das interpretações literais, que arrastam em correntes a cultura ocidental por dois milênios.

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

quantum negado

quanto de ti é posto?
quanto da pele é visto?
quanto da alma escondes?
quanto?
quantos amores vividos?
quantos evitados?
quantos corridos,
sonhados, reprimidos.

gritos, gemidos,
seremos remidos?

quanto de vida é morta?
quanto... apedrejada?

quanto de quanto
tivestes sem ser,
sem ver,
sem nascer?
quanto apelastes
des-necessariamente?

desprendida,
desnudada,
atrevida.

Ainda quanto?

quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Ensolarada varanda

Ensolarada varanda,
onde nada acontece.

O menino no alpendre,
assiste de frente
a negação do vento,
o chão de cimento,
as formigas mudas em marcha,
o anão de jardim sem graça.

Da bacia de lata emborcada,
o silêncio da manhã, no repente
da calma complacente,
deflorado é, pela água entornada.

Corre e desmancha o cinza
da calçada lisa em chumbo;
inunda todos os mundos,
enche os pés numa piscina,
arrasta para longe as saúvas
e faz a graça da lisura.

Ensolarada varanda,
onde tudo acontece.

­– Pedrinho! Tá na hora, vem tomar banho!

domingo, 27 de setembro de 2009

Moby Dick: o Leviatã de Aderbal



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Em muitos momentos da vida, os homens confrontam seus Leviatãs. Alguns destemidos avançam, outros, acovardados recuam. Há Leviatãs tão terrificantes, que subjugam seus tributários somente por suas imagens de monstros, o que ocasiona tremores e fugas fragorosas. Para a outra categoria, cara feia não mete medo.

Os seres humanos guardam dentro de si os mais poderosos Leviatãs, que são instrumentalizados através das máscaras sociais do pai, do marido, do patrão, do juiz, do padre, do professor, do amante, dos filhos, etc. São convertidos em ditadores, em déspotas e torturadores, apreciadores das cruéis perversões sádicas. Há também os Leviatãs simbólicos como uma montanha que desafia os escaladores, ou empreitadas físicas de esforço sobre-humano, que fazem parte da natureza de superação humana.
Os piores e mais assombrosos Leviatãs são os imaginários, que só existem dentro da psiquê humana, que arrastam suas presas para uma espécie de incapacidade moral de resistir ao pavor que exercem sobre elas. De modo geral, essas vítimas de si mesmas se escoram nas religiões.

No romance Moby Dick, de Herman Melville, o capitão Ahab é o principal personagem, que não recua diante do seu Leviatã, um perigoso cachalote branco, que deseja obsessivamente matar. Um juntamento de homens de diversas culturas ingressam nessa aventura de Ahab, no barco baleeiro Pequod e iniciam uma perambulação pelos oceanos atrás do temido Leviatã.
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Aderbal Freire-Filho contrói seu Moby Dick num recorte de 3x4, como ele mesmo diz, mas não preconiza a aventura em si e sim os modelos de interação cultural da tripulação e o significado de uma obsessão de morte entre o elemento da cultura, Ahab e o elemento da natureza, Moby Dick. Esta metáfora é recorrente em todas as análises literárias do livro de Melville e é isso que se vê nesta encenação bem dirigida e interpretada.
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O livro é esse elemento cênico. Um vínculo da interação da cultura representado pelos barcos de remos, que perseguem a baleia, o ser livre, natural e assassino. Culmina com a destruição de Pequod, num momento cênico forte interpretado por Chico Diaz, como o Leviatã. Uma inteligente solução linguística usada por Aderbal.
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O cenário é o deck do Pequod, é bem feito e é evocativo. Os atores poderiam utilizar mais esses elementos cênicos, como o mastro e os cordames, o que daria uma movimentação interessante, sem embaraçar a assistência, já que o espaço do Teatro Poeira tem uma arena de pequenas dimensões. Os arpões são um destaque à parte, com o ponto alto sendo a celebração do sangue dos arpoeiros, para combater o grande, furioso e móvel (mob) falo (dick). Os esguichos das baleias são surpreendentes, mas faltou um fog, uma luz noturna, uma inspiração a mais. Esperava mais da luz, achei-a burocrática, um espetáculo sem cor, à exceção do esguicho da morte de um cetáceo, pouco aproveitado pela luz. Os figurinos são muito bons e o desempenho dos atores é profissional e maduro. Todos brilham sob a mesma batuta.
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Aderbal Freire-Filho enfrentou seu Leviatã, o Moby Dick e o venceu, ainda que Ahab não o tenha conseguido. É um espetáculo a ser visto, por tudo que foi dito, mas sobretudo pela solução teatral dada a um romance longo e diversificado.

terça-feira, 22 de setembro de 2009

Reserva no Adrogué

dez anos vagueando no labirinto
de espelhos quebrados,
sem ideal de desconformidade.

um labirinto de vastidões
onde os vazios são estreitos e
cheios de águas brancas.

o minotauro alado sobrevoa TLÖN
não deixa recado, o mundo é dele.

o olhar escapado pelo absinto
não ameniza o abandono.
Viverei no Hotel Adrogué.

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

exaltação

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abro os braços e te agradeço
pela vida que me destes;
aqui, ainda em pé permaneço,
não pela vontade que me resta,
e sim, pela tua seiva que rejuvenesce.

Pouca sombra dou,
não por falta de vocação
e sim, por excesso de perdão.
Tantas podas sofri, mas ainda sou
calada, sem grito e sem reação.

Olham pra mim e dizem: feiosa!
nem ligo, mais vale ser cuidadosa
com eles, os passarinhos,
que me escolhem para ninhos
e assim dou meu carinho.

hoje, te dou louvor
pelo sol, pelas chuvas e pelo calor.
hoje, te dou minhas flores de amanhã
e de todos os dias depois de amanhã,
até a última síntese de elã.

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

A nova dramaturgia russa: irmãos Presnyakov

Assisti ontem no CCBB do Rio, a leitura da peça Terrorismo, dos irmãos Presnyakov e me surpreendi com a qualidade da dramaturgia apresentada. Fui receoso e voltei encantado com o que ouvi. Trata-se de um texto, como o próprio título revela, de tempos invadidos pela violência, mas o que vale destacar foi o tratamento da narrativa dado por eles para um tema que assusta o mundo inteiro.
Oleg e Vladimir Presnyakov são indistintos, conforme disse Roberto Alvim, o mediador do debate que ocorreu logo após a apresentação. Eles não respondem a perguntas separadamente, são uma única entidade social dividido por dois (só Beckett explicaria) e atualmente suas peças são vistas por toda a Europa e agora chega até nós, com a tradução de Klara Gourianov.
Os Presnyakov introduzem à estrutura dramática, o conceito de camadas* de conflitos, que vão se sobrepondo umas às outras e que interagem nos últimos planos cênicos. Esse tratamento rompe com os blocos clássicos de construção de enrêdo, porque somente no último quarto da leitura torna-se possível amarrar o conjunto da obra.
Terrorismo é apresentado em seis cenas, denominadas Terrorismo 1,2...5,etc. Cada cena tem seus próprios personagens e sua própria complicação dramática. O clímax e o desfecho se dão no final como se fosse mesmo uma bomba que explode num ato terrorista, interligando todas as tramas. Interessante, não?
Essa técnica apresentada oferece leveza à carga dramática, além do que, o texto também tem uns pequenos suspiros de humor negro, como a guia do cão, que serve para enforcar; as balinhas de veneno para liquidar com certas etnias, etc.
A leitura foi dirigida por Antonio Gilberto e o elenco se portou à vontade e desenvoltura, com um destaque especial para Ivone Hoffmann com sua habilidade na modulação vocal.

*a noção de camadas (layers) vem do emprego do autocad, que é um software para desenho arquitetônico usado no mundo inteiro, fazendo desaparecer as pranchetas e os desenhistas com canetas de nanquin e réguas tês

terça-feira, 15 de setembro de 2009

domingo, 13 de setembro de 2009

Programa de peça

Posted by Picasa
Eis aí o programa da peça In On It. Gostaram? Pois é, não ficou muito bom, mas pelo menos poderei me lembrar dos atores, do diretor e de todos os trabalhadores da cena dramática. Sabe por que tirei essa foto? É porque hoje em dia, eles, os produtores não oferecem ao público os programas de teatro. Acho que todos vocês se lembram, né? A gente pagava por eles, é bom que se diga isso, porque nunca foram dados, pagávamos por eles, entretanto à visa de lembrança do seu cultdrama, havia no programa todas as histórias que a gente gostava de ler: as bios dos atores, do diretor, do cenógrafo, aliás, nessa peça esse crédito não haveria, porque é completamente minimalista: duas cadeiras e um paletó. Continuando, do iluminador, ah, já ia esquecendo, o autor da peça, entre outras menções. Também havia alguma sinopse do texto e todos os agradecimentos, os patrocínios bem-vindos, apoios e tudo mais.
Hoje, você compra o ingresso, sem lugar marcado, porque afinal, esse negóciio de lugar marcado é muito chato, não condiz com os tempos pós-modernos, nada disso. Quem chegar na frente entra e escolhe onde quer sentar, isso se for rápido, porque o de trás pode ser mais esperto e passar à frente e sentar exatamente naquele lugar ali, na boca do proscênio.
Agora, vocês vejam, os cinemas, que sempre foram atrasados com essas gentilezas, hoje nos oferecem lugar marcado, poltronas articuladas, um toco de plástico pra você botar os pés e ainda é mais barato que o teatro.
Me respondam, eu que sempre pago ingresso, não vou de carona de ninguém, por quê não tem mais o raio do programa?
Quanto a peça, é aquele texto de playwriting americano (o Daniel MacIvor é canadense) todo certinho e arrumadinho, bem digestivozinho, que até criança ri, pois bem, tá fazendo sucesso e eu já estou quase esquecendo do que se trata. As atuações dos atores e direção são eficazes e seguem o protocolo de estilo de dramaturgia leve que se faz hoje em dia em Nova York.

segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Cacilda: Estrela Brazyleira a vagar

Posted by Picasa
José Celso Martinez Corrêa e seu grupo do Teatro Oficina Uzyna Uzona estreou a 2ªparte da tetralogia da vida de Cacilda Becker, no último dia 5 de Setembro, no Espaço Tom Jobim, no Jardim Botânico do Rio de Janeiro.
Enquanto durou o meu fôlego, por quase sete horas, pude experimentar um teatro autogestivo regido com docilidade pelo feiticeiro Zé Celso. Foi uma longa evocação celebrante a Dioniso, com a partição do cacau, muitos corpos nus, ampla movimentação por todo o espaço, sem nunca esquecer a razão de estarem ali: revelar a história da jovem Cacilda , iniciante no teatro, detentora de um singular talento e sua entrega às paixões.
Os elementos cênicos não são fartos, mas o figurino evoca bem os anos 40. As músicas são excelentes, muitas delas desconhecidas para mim, bem conduzidas por músicos-atores bastante versáteis, como o Zé Carioca. O uso de microfones não foi bom, os equipamentos apresentaram muitas falhas no 1º ato, o que comprometeu muito o entendimento das falas. Seria melhor abandonar essas tecnologias e usar somente a voz natural com cuidado, para resistir às longas horas de atuação.
O tributo a Cacilda Becker foi realizado, através de um tour de force de todo elenco, sobretudo da jovem atriz Anna Guilhermina. Quem ainda não conhece um trabalho de criação coletiva, poderá vivenciar essa prática anarco-libertária, onde as significações do texto e dos personagens são exaltadas pela potência de ser de seus atores. Cessa a preocupação de desenvolver um personagem construído pelo modelo de Stanislavski, ou através do distanciamento de Brecht. O cuidado que se tem que ter é com as improvisações excessivas, quando se caminha pelo pós-drama.
Cacilda: Estrela Brazyleira a vagar, é um trabalho cênico importante para a dramaturgia brasileira, especialmente pela exaltação e resgate histórico dessa grande figura do teatro que foi Cacilda Becker. Parabéns para José Celso e todo o grupo do Oficina Uzyna Uzona.
A "Estrêla Brazyleira a vagar- Cacilda!!" voltou a estrear em São Paulo no dia 03 de outubro e fica em cartaz até 15 de Novembro. Uma boa oportunidade para celebrar um teatro de raízes brasileiras.

domingo, 6 de setembro de 2009

tuff e lash

a colher mergulha
vai ao fundo do copo: tuff
volta à superfície:lash;
de novo: tuff e lash,
tuff e lash;
fundo e superfície
tuff
e lash,
o verde do fundo
à superfície do verde
se misturam, se combinam
tuff e lash,
inconsciente e consciente
se misturam se combinam
tuff e lash,
id e ego.
revira e desvira
tuff e lash,
vitamina de abacate
verdejante destaque
tuff e lash;
figura e fundo
Apolo e Dioniso
tuff e lash
pênis e vagina
tuff e lash,
terra e céu,
tuff e lash,
vitamina de abacate
verdejante destaque.



sexta-feira, 4 de setembro de 2009

Blindagem aeronaval da Amazonia



















Eis aí um bom resultado, daquilo que falamos tempos atrás. O calcanhar de Aquiles do Brasil é o próprio rio Amazonas. Se uma armada alienígena conquistar Belém, ela será dona do Brasil. Não acreditam? Pois vejam a notinha que saiu hoje na coluna do Anselmo, do O Globo, desta sexta-feira, dia 4/09/09, antevéspera da comemoração do dia da Independência.

Os submarinos seriam a primeira linha de defesa do estuário, enquanto os vasos de superfície formariam a segunda linha, mas se essa presença da Armada não for dissuasiva na região da foz do Amazonas, de nada adiantarão as forças terrestres.

O Brasil precisa blindar a Amazonia com uma forte base aeronaval em Belém. Isso é prioridade zero. Haverá também uma base de submarinos, independente da esquadra de superfície, que deverá ser instalada em São Luiz, para os submarinos ganharem rapidamente as águas profundas.

Leiam a crônica "Belém: cidade estratégica" , que publiquei aqui no Correio Vespertino em 28/01/09, que aborda essa fragilidade estratégica nas defesas do Brasil.
P.S 1. o que tem isso a ver com a poesia, me perguntei? parei pra pensar e me perguntei de novo: quem defenderá Macunaíma do gigante Piaimã, que já roubou a muiraquitã e agora quer o resto? Alguém aí sabe?
PS 2. O Chaves, aquele homem esquisito - a reencarnação stalinista de Bolivar - que domina a Venezuela vai fazer uma bomba atômica. Dentro de 12 anos, ele conseguirá produzir a primeira bomba. E aí como ficará a América Latina pacífica, hein hermanos? Vamos pular amarelinha?
P.S 3. Vocês acham que a Venezuela deve ingressar no Mercosul?


sexta-feira, 28 de agosto de 2009

dia

é noite profunda
___________silêncio
só flashes lampejantes
___________alumbram
não há gestos
__________nem acenos.

é manhã brumosa
__________cantante
orvalho que escorre
________pela rotunda
não há restos
_________nem desejos.

é tarde cálida
_________ruidosa
bocas inundadas
_________de palavras
não há maestros
_________nem solfejos.

quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Canudos: Meribá do sertão

Canudos é Meribá do sertão,
flui seu aguaceiro,
oculto na pedra e
sacia o jagunceiro.

Não bato em pedra e
não ordeno quarentena
só segue quem quer seguir,
só ouve quem quer ouvir,

quem viveu, viu
a degola, a charqueada,
a baba e a raiva,
mataram, mas não morremu não.

A pedra de Meribá não saciou...só
afogou Canudos, mas não morremu não.
Eis aí, pra quem quer ver o Cocorobó,
desoculto da pedra, é só água sim.

Pensam que esquecemu,
mas não esquecemu não,
quem é jagunçu, ajagunçado é,
Canudos é Conselheiro sim.

segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Canudos não se rendeu




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"Canudos não se rendeu. Exemplo único em toda a história, resistiu até o esgotamento completo. Expugnado palmo a palmo, na precisão integral do termo, caiu no dia 5, ao entardecer, quando caíram os seus últimos defensores, que todos morreram. Eram quatro apenas: um velho, dois homens feitos e uma criança, na frente dos quais rugiam raivosamente cinco mil soldados."
trecho final de Os Sertões de Euclides da Cunha

sangues

o espesso branco do gozo
sobre o coágulo vermelho,
misturas de cores e gemidos
de tesão e de dor,
reações ambíguas do sangue,
um dueto,
um diálogo do prazer
e da dor,
um diálogo da morte
e da vida.

quarta-feira, 19 de agosto de 2009

O sino dos senadores


sino que dobra ao passado,
chama às lembranças
e dejá-vús incontinentes,
sino que nega o presente,
não chama às mudanças
nem confia no seu Estado?!
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há homens que se dobram
às ventanias em humildade,
outros, pesados como sinos
revelam-se ocos e sem tino,
insistem na obscuridade
das imagens cínicas, que nos sobram.
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prefiro a altivez do sertanejo
às bravatas dos senadores
que gastam todo bronze do sino,
não para exaltar o destino
e sim, para acobertar fraudadores
do povo admirador de tanta grandeza.


foto: c1890 - Saint Lawrence Society Towcester)


segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Bate Rebate

– Pois é, seu doutor, não sei como esse menino pode quebrar o pé chutando uma bola.
– Isso acontece, não é mesmo, Renatinho? Até os bons jogadores se machucam...Ele vai ficar com esse gesso, durante uns trintas dias. É o tempo necessário para desinchar o pé, só houve uma pequena fratura, que rapidamente soldará. Logo, logo, voltará a jogar bola.
– A minha mãe vai deixar eu jogar bola...
– Eu deixo, é só você ter cuidado...
Voltaram para casa e o Renatinho com a bota de gesso. Ao chegarem os meninos ainda jogavam bola, no mesmo local onde havia se machucado. Pararam e calados observavam o Renatinho entrar em casa. Havia um deles com um sorriso maligno.
Ele ficou amuado o tempo todo que passou com o pé quebrado, não saiu uma única vez, nem para ir à casa da Terezinha, que sempre lhe chamava para brincar, depois do colégio. O tempo passou, mas a lembrança não apagou, ficou com um pequeno defeito no pé.
­– Você não se lembra de mim?
– Não...mas, assim, vagamente, acho que me lembro...Lá da rua, em Cascadura, não é?
– Exatamente, uns vinte anos atrás, quando eu implorava para jogar bola com vocês, os mais velhos, donos da rua. Você se lembra do dia em que fui parar no hospital?
­– Não me lembro. Eu me mudei de lá.
– Se lembra sim. Você não sabe, mas hoje é o dia mais feliz da minha vida. O acaso fez com que nos encontrássemos. Agora, você apareceu aqui no clube, para fazer um teste, não é?
– É. Acho que ainda dá pra mim.
– Isso nós vamos ver. Bem, como você deve saber, eu sou o treinador daqui e sempre que vem um jogador pedir pra treinar, eu sempre peço pra eles baterem uns pênaltis, para saber se sabem chutar.
– Tá bem. Eu posso fazer, só vou calçar as chuteiras...
– Não! É sem chuteira, é descalço.
­– Descalço?
– É. Vou pegar a bola, enquanto você fica aqui e me aguarda chamar.
Renato foi ao vestiário e apanhou uma bola e seguiu para o lado oposto do campo. Pos a bola na marca do pênalti e chamou o goleiro. Depois apitou para o homem vir bater, mas mandou ele ficar no meio do campo.
– Você vai ficar aí e quando eu apitar você vem correndo e chuta com toda sua força e pontaria. Se você fizer o gol, eu deixarei que você treinar aqui, se não fizer, você deve por o pé na forma. Entendeu?
­– Entendi.
Renato recuou uns metros da bola e olhou para ambas direções, o goleiro e batedor estavam preparados. Apitou e o homem começou a correr mirando a bola e o gol. Sua velocidade foi aumentando e só faltavam poucos metros para o seu chute. Uma última olhada em direção ao goleiro e vumm. Um grito.
– Ahhh! Quebrei meu pé.
A bola de couro rolou somente alguns centímetros e o homem voou muitos metros à frente. Deitado na grama se lamentava.
– O que você fez comigo, ai ai ai?
– Pedi pra você chutar, mas você não reparou que era uma medicine ball de cinco quilos?
– Isso não se faz.
– Nem aquilo que você fez comigo, quando tinha sete anos de idade, quando você generosamente me mandou chutar uma bola de ferro, não se lembra? Passei 40 dias engessado por sua causa. Perdi aulas e fiquei com uma lesão irrecuperável. Agora é a sua vez. Pode ir por o pé na forma.
Renatinho sorria malignamente.

FIM

domingo, 16 de agosto de 2009

Ruínas Interferentes


ponto-reta-plano-épura-linha de fuga-esconso-ângulo-camada-deflexão-contraste-cor-dureza- luz-transparência-elevação-corte-bissetriz-interferência-vida-rebatimento-afeto-dureza-material-alvenaria- chapa de ferro-esquadria -vidro-céu-elemento-mar-visão-sombra-imagem

sexta-feira, 14 de agosto de 2009

guarda-roupa alquímico

Sobre o guarda-roupa
havia muitas coisas e
entre elas, eu.
Era a minha torre de vigia um dia,
meu laboratório secreto no outro.
Só eu subia e
lá ficava tempos
de onde nada escapava
da alquimia das matérias
eram tantas: caixas de sapato,
castelo e ponte movediça,
gibis velhos e soldadinhos,
poções venenosas e armas mortais ,
portas secretas e espiões,
poder, intriga e traições,
tudo, tudo foi visto de cima
do meu guarda-roupa.

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

Verdes Verdejantes

Posted by Picasa (foto tirada no interior de um limão no pé em dia de sol)
Ah, verde
como eu gostava do verde,
verde clarinho,
quase alface, quase limão,
até a escurinha hortelã,
quase agrião.
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Ah, como gostava do verde,
das limonadas,
do sorvete gelado da kibon,
do mar do Leme ao Leblon
tudo tão verde, verde.
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Depois, deixei de gostar
do verde, nem sei explicar,
deixei de gostar.
Gostei do lilás, do jerimum
e de tantas cores
nem sei explicar.
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Hoje, me lembrei do verde,
e de todos os verdes
da minha vida,
da bola de borracha do Palmeiras,
das bolinhas de gude,
até do rayban...
dos olhos do meu pai
e da camisa cáqui do colégio.
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Todos os verdes verdejantes
da minha vida.
Pedi pra Maria: faz a limonada,
a suiça não serve, só a brasileira
bem verdinha, como o Brasil
todo vermelhinho, combina?

terça-feira, 11 de agosto de 2009

Cavalo Velho

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que tostão paga a banca?
sem pressão não se avança,
nem a dor se compadece a dama?
sem palavrão não há mãos na anca
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todo imberbe a si aclama
a farsa da soberba se ufana
trás a violência que arromba
me assombra e me lomba
e nada faço e só me afano
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corpo sem vida e sem dor,
sem viço e sem furor
que desperdício, senhor!
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e o rio verte água, flui e arrebenta,
quebra as pedras e nada fica,
nem margens, nem pica
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Levanta a voz. Atiça a piça!
Relincha! Relincha cavalo velho,
morde forte mesmo
com esses dentes amarelos
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Tens cabelo na língua?
Então grita, grita, fode-esfola.
bate-bate e finca
e bem esporra
Quero ver quem te amola

sexta-feira, 31 de julho de 2009

fio condutor

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sou uma extremidade,
a outra, uma ponta perdida.
entre nós, um fio,
talvez um pêlo comprido e detido.

era uma ponta,
a outra, uma extremidade longínqua,
entre nós, uma ligação uterina,
talvez um apelo retinido e contido.

sou um fio,
talvez uma linha comprida, pouco finita.
Numa ponta, a vida,
na outra, uma conformidade esquecida.

era um pêlo,
um emaranhado novelo,
expandido no quarto cúbico
e sem fala e sem grito e...abúlico.

terça-feira, 28 de julho de 2009

O Rochedo

Olhei o rochedo à distância,
trouxe inquietações à alma
e poucas sensações naturais.
Aproximei até admirá-lo face a face.
Quanta imponência e quanta permanência.
Me negava.
Toquei. Era granito indestrutível.
Me negava, pois era carne perecível.

As ondas beijavam-lhe a face e
as espumas insistiam na alvura
para sempre aderir à candura,
escorregavam, lentamente escorregavam,
lambendo a dureza dos fundamentos.
As altas reentrâncias, perfeitos ninhos
dos petréis, maçaricos e gaivotas, otas...otas.
Abrigo e sustento é a torre forte. Perene.

Os ventos sibilavam nas pontas
ressonantes, nos assobios e ecos.
As espumas e as cavernas ocultas.
Penhasco intangível, frio, dominante frio,
morada dos raios e trovões visitadores,
quando os céus desmoronavam suas dores.
Ainda assim, o rochedo permanecia sereno e
impassível contemplava. Um tempo contemplava. Todo...passado.

quinta-feira, 23 de julho de 2009

por um triz

Vi no motorista um exímio humano,

que vestia aço como fosse pano.

Sereno, permanecia no contraste

do ônibus, que engolia "fast"

todos os metros da rua Santa Clara.

Embalada, a lataria na curva dobrava,

mas tal perito com precisão calculava

a folga da guia fatal, que assustava.

terça-feira, 21 de julho de 2009

Naufrágio do maior porta-aviões do mundo






















Hoje, recebi uma mensagem criptografada em 128bits, que não deveria abrir ao público, por ser considerada "top secret", mas o meu dever como homem libertário, me obriga a revelar seu conteúdo. Por uma questão de segurança não irei publicar o nome do porta-aviões e como ele naufragou, usarei da cifra de Viginère para as palavras em itálico. Todos aqueles que são ligados às questões de segurança e defesa sabem o significado do código azulação.


O porta-aviões azulado foi a pique hoje pela manhã, após ser alvejado por uma andorinha de verão que o partiu ao meio, sendo que o reator abriu-se e depejou uma quantidade enorme de sonetos na atmosfera. Os marinheiros livraram-se com vida e ficaram descontaminados do belicismo do gigante.


Tudo ocorreu no Mar de Espanha, no interior de uma doca daquele país poético e macunaímico.


Finalizando, alerto a todos os belicistas e adoradores da prancha de aço de 300m, que parem de acessar esse blog, sob o risco de serem percolatados pela inteligência emocional das agências de turismo. Entenderam, não é?


O naufrágio do azulado vos livrará da maldição de Netuno. Leiam poemas e joguem fora os seus bodoques.


P.S. A imagem anexa está levemente desfocada para disfarçar o portentoso porta-aviões.

terça-feira, 14 de julho de 2009

Tempos e Movimentos

Quais caminhos penetram no passado?
Todas lembranças que esvaziam o presente.
São os devires do futuro pertencentes?
Da escuridão, as pertinências do imago.

Santo Agostinho intuiu um tempo
coalescente, no mundo noético.
Revelou na cãmara poética
da alma impregnada de alento.

Quantos tempos são prementes?
Um tempo: presente do passado;
outro tempo: presente do presente;
terceiro tempo: presente do futuro.

Quantos tempos vivemos no presente?
Vivem em nós o tempo coalescente,
assim é Aion: o eterno tempo
e Kairós: o oportuno tempo.

Quantos tempos vivemos na vida
e ainda assim não temos tempo?
Porque só existimos para os movimentos.
Uma orgãnica ilusão fortalecida.




segunda-feira, 13 de julho de 2009

detalhes


























quinas, pontas e mourões
penas e peitos de pombos
montam vigia ao longo,
arandelas, redondilhas e lampiões,
matizes,vernizes e caiados,
sombras e luzes nos airados,
limos e pátinas nos telhados,
brancos e cinzas em detalhes
sacadas, janelas e umbrais,
esquinas de outros olhares,
de tempos passados coloniais,
cerâmicas, ferros e vidros
resistem aos incertos perigos
dos ares marinhos e chuvas
das marés e palavras chulas

sexta-feira, 10 de julho de 2009

Em se tratando de pedras

pedras lisas,
pedras finas,
pedras pontudas,
pedras agudas,
pedras gordas e deitadas,
roucas e assustadas,
pedras fortes e viscosas,
seculares e rochosas.
Ah, quantas pedras há em Paratí.
Pedras de pedras,
de escravos, de carregadores
e de tantos opressores,
dos tais portugueses
e de tantos poucos brasileiros,
que hoje enchem as vielas,
os becos, as ruelas
de falas, de falas e tantas falas,
até o desvanecer das vozes,
pela madrugada de tosse.
É o tempo da pedra de toque.

O PERFUME EXALADO

OBS: este conto é continuação do FRASCO MORTAL, que encontra-se publicado logo abaixo.

Após a morte do infeliz surdo-mudo envenenado pela própria mulher, instalou-se em mim, definitivamente, uma total descrença no ser humano. A ambição e o orgulho são os motores da humanidade e nada é capaz de deter a escravidão humana de tais sentimentos. Os que não são nem ambiciosos e nem orgulhosos são os fracos e os loucos.
O choque emocional que senti logo após a tragédia, gerou em mim uma compulsão tão obsedante, que me levou a urdir um ato extremo. Quis reaver o frasco da morte do surdo-mudo, que continha minhas impressões digitais e desmascarar a mulher fatal.
Ao longo do processo de investigação e desembaraço do corpo, incluindo o traslado, por serem eles brasileiros, a viúva permaneceu no hotel, apenas tivera que trocar de apartamento, em função das praxes oficiais. Instalou-se no apartamento e frente ao meu, que já houvera pernoitado.
Essa proximidade trouxe-me inquietação, pois vinha sentimentos de repulsa pelo diabolismo e fascínio pela beleza da estranha viúva. À noite, jantei com amigos, aos quais relatei tudo o que ocorrera. Ficaram perplexos com o relato, mas disseram que eu deveria me manter distante de tudo, até porque eu viera à Buenos Aires, para me recuperar da fadiga e não para aumentá-la.
Voltei ao hotel e fui dormir. Não pegava no sono e remexia na cama de um lado a outro. De repente, ouço uma movimentação no corredor próxima a porta e corri ao olho mágico. Ninguém. Voltei, mas fiquei aceso; minha atenção decifrava todos os ruídos. Permaneci assim, até que mais uma vez, um ruído no corredor. Saltei da cama e de novo a postos a observei chegando.
Era uma hora da manhã. A porta encontrava-se escancarada e eu permaneci firme no posto de observação, quando subitamente, meus olhos se encheram com a visão da viúva seminua, somente com uma calcinha e um soutien pretos, mais um leve peignoir. Veio em minha direção. Olhava fixamente para o olho mágico, como soubesse que eu estava ali furtivamente vigiando-a. Cheguei a dar um passo atrás. Minha respiração acelerou, o coração retumbava no peito, de tal modo que ela poderia ouvir. Ela estancou junto à porta e pousou seus lábios vermelhos sobre o olho mágico, deixando-o totalmente manchado de batom. Voltou-se e deu uma risada misteriosa.
Manhã cedo do dia seguinte, eu continuava embaraçado. Não sabia como agir. Desci para tomar o breakfast e retornei em seguida. Definitivamente, não possuía o talho dos detetives e muito menos a coragem dos espiões, que bisbilhotam sem serem vistos. Foi dessa idéia que surgiu outra idéia.
Abri o meu laptop e o deixei ligado sobre o aparador da televisão, um pouco voltado para a porta. Escancarei a porta e aguardei do lado de fora, próximo da escada de incêndio. Preparei um e-mail e fiquei à espreita. Não demorou muito e a porta da viúva começou a abrir e ato contínuo, através do meu palmtop, enviei o e-mail.
Ela foi banhada pela luz natural que entrava pela janela do meu apartamento. Um simples som chamou sua atenção: plin. Ela identificou o som característico de novo e-mail na caixa postal. Virou o rosto em ambas as direções do corredor. Ninguém à vista. Ainda com sua porta aberta, aproximou-se do umbral do meu apartamento, em busca da minha presença e encorajada pelo vazio humano, avançou. Mordera a isca.
Corri em direção ao seu apartamento e com agilidade felina, que só as altas doses de adrenalina produz, adentrei e mantive a porta com a mesma abertura. Pude observar seus movimentos. Ela estava lendo o e-mail: tua ambição está chegando ao fim, Sofia. Ela sentiu o golpe. Fez alguns pequenos movimentos, olhando ao redor e antes que saísse do meu quarto, fui me esconder no seu banheiro. Só ouvi o ruído da sua porta sendo batida. Aguardei alguns segundos e saí do banheiro. Fui até a porta e pelo olho mágico vi o campo livre. Fechei a minha porta, pois agora tinha uns bons minutos para investigar e achar o frasco da morte.
Estava debruçado no banheiro sobre uma grande necessaire, cheia de cremes, tubos de rímel, escovas e batons, quando vi o frasquinho. Peguei-o na mão e o limpei, mas algo me fez abri-lo. Havia levado um tubinho de testes de urina, que havia comprado antes de viajar. Talvez encontrasse uma possibilidade de realizar um espectrograma da substância. Abri o frasquinho.
Rapidamente o banheiro foi totalmente invadido por uma forte essência de perfume, que após alguns segundos no ar, deixou-me nauseado e tonto. Foi neste instante, que ouvi a porta do apartamento abrir. Instintivamente, apaguei as luzes do banheiro, mas ao procurar me esconder no boxe, acabei esbarrando no frasco, que foi ao chão frio, onde espatifou em mil pedaços e derramou seu conteúdo. Eu, em seguida tombei desmaiado. Não me lembro quanto tempo levei desacordado, impregnado pela poderosa substância contida no frasco.
As luzes eram fortes e o ambiente me lembrava um hospital, quando voltei à consciência. As vozes, um pouco conhecidas, até que reconheci Sofia ao lado da minha cama, conversando com o médico. Do outro, o surdo-mudo em pé sorrindo para mim. Ouvi mais algumas palavras e desmaiei de novo.
-- Sim, de fato houve alguns inconvenientes, mas já está tudo resolvido, Dr Gutierrez. Aqui está o seu paciente de volta. Ele ainda delira bastante e às vezes alucina. A última foi, que eu havia envenenado o pai dele, aqui na sua frente...



FIM

terça-feira, 30 de junho de 2009

O FRASCO MORTAL

Todas as vezes que leio um texto, me vem uma sensação de compromisso. É um vínculo que não se desfaz facilmente. Somente o esquecimento pode me separar do enredamento, que se estabelece entre mim e o texto. Alguns, não trazem implicações, outros, palpitam vivos no meu interior, através de seus personagens. Há ocasiões, que pela força das lembranças, eles ressuscitam e assentam na consciência, orgulhosos de si e propalando suas influências no meu modo de ser. Afinal, quem nunca foi influenciado por um personagem?
Tenho medo da palavra escrita mais do que a falada. Isso exige de mim cuidados exagerados, quase neuróticos. Não leio nada que possa trazer influências deletérias. Antes de ler um livro, converso com os amigos que já o tenham lido. As resenhas me são inofensivas, mas procuro ler diversos críticos. Contos, evito a todo custo. São todos perversos. São exageradamente focados em um único propósito e são abruptos no desfecho. Jornais e revistas, leio com parcimônia e evito as páginas policiais e os obituários. Bilhetes caídos no chão ou cartas dobradas sobre o assento de um ônibus, nem pensar, são um verdadeiro terror.
Cheguei a crer que fosse acometido de uma obsessão compulsiva, mas como nunca houvera escutado alguém com sintomas iguais aos meus, descartei essa classificação. Certa feita, sonhei que estava sozinho numa praia e que vira uma garrafa no mar. Corri e a peguei. Continha um papel no seu interior. Acordei imerso em suor, pela luta travada entre o abrir ou devolver a garrafa ao mar. Imagine as ordens contidas nessa carta: reze sete missas para fulano de tal e acenda uma vela toda sexta-feira, durante a vida toda, e, se não obedecer, sua vida será um inferno.
O destino costuma pregar peças, por mais que a pessoa seja precavida. Ele contorna as defesas com esperteza e quanto menos se espera, a armadilha captura o sujeito e as coisas começam a acontecer sem qualquer possibilidade de escape. Essa história é um exemplo.
Havia chegado a um hotel em Buenos Aires, com a intenção de passar alguns dias revendo amigos e me recuperando de uma estafa, por excesso de trabalho. Era noite quando adentrei o quarto, com uma bela vista do obelisco no cruzamento das avenidas Corrientes e 9 de Julho. Uma confortável cama e um banheiro impecável completavam o conjunto.
A ducha morna relaxava meus músculos e meus pensamentos, enfim, desprenderam-se por inteiro do cotidiano exaustivo de São Paulo. Fechei as torneiras, peguei a felpuda toalha e me sequei. Ao sair do box, o banheiro estava completamente coberto de vapor e eis, que meu mundo começou a desabar: havia uma frase escrita no espelho, que somente surgira, após o vapor embaçá-lo. “ayudenme no quiero morir necesito escapar”.
E agora? Ajudar quem? Aquilo seria uma brincadeira? Logo comigo, que tanto evito? O laço da armadilha começava a apertar. Não haveria fuga, estava irremediavelmente implicado com o sujeito da frase. Quem? Passei a noite em claro e dormi ao clarear. Pelas altas horas, ouvi vozes vindas do quarto ao lado. Ouvia uns grunhidos e uns sons guturais, às vezes silenciava e recomeçava. Depois silenciou completamente.
Pelas nove, levantei e ao sair do quarto deparei-me com a arrumadeira. De pronto, agi. Peguei uns pesos no bolso e lhe dei. Perguntei sobre quem havia se hospedado no meu quarto, antes de chegar. Simultaneamente, um casal saía do quarto ao lado e ela teve que empurrar o seu carrinho em minha direção, obrigando-me a recuar, para dar passagem aos hóspedes. Ao afastarem, ela revelou ser aquele casal, que havia deixado o meu quarto, por alguma razão desconhecida e completou, que também eles haviam dormido uma noite em outro quarto. Perguntei qual era e ela apontou um outro, quase em frente. “Estay vacio?” e ela respondeu-me que sim. Tirei mais alguns pesos e pedi para entrar. Ela me olhou com uma certa estranheza e em seguida meteu a chave mestra e abriu a porta. Recomendou para ser ligeiro e eu fui direto ao banheiro. Abri as torneiras quentes da pia e chuveiro e em minutos, lá estava a mesma mensagem: “ayudenme no quiero morir necesito escapar”.
Desci ao café procurando pelo casal e sentei numa mesa oposta à deles, de onde podia observá-los. Ela era uma mulher de uns trinta e cinco a quarenta anos. Uma vasta cabeleira negra, era alta e esguia. Usava óculos escuros. Ele, diferentemente dela, era volumoso, calvo e fechado, uns 60 talvez. Não falavam e não se olhavam. Fiquei suando nas mãos sem saber o que fazer. Coitada dela. Qual seria sua dificuldade?
Ela levantou-se e seguiu ao buffet, enquanto o homem engolia os brioches. Fui me servir e movido por uma impetuosidade, que me é rara aproximei-me daquela linda mulher e disse: ´leí su mesaje en espejo”. Ela não virou o rosto em minha direção, apenas um leve tremor na mão que segurava o prato e me perguntou onde e lhe respondi com toda discrição, que a lera nos dois espelhos dos banheiros. Ela, calmamente, me disse “gracias” e em seguida falei da minha disposição de querer ajudá-la. Ela assentiu com a cabeça e se afastou voltando à mesa.
O marido, assim supus ser, não notara nossa conversa. Continuava de cabeça baixa devorando os pães e geléias. Ela me fitava à distância. Ao terminarem, ele se levantou com uma certa brutalidade e saiu do restaurante. Ela ainda disfarçou o modo grosseiro do homem, mas o seguiu e com uma sutileza própria das mulheres, deixou cair um pequeno frasco no tapete, mas não voltou para apanhá-lo. Meu instinto dizia, que eu deveria pegá-lo e assim fiz, antes que alguém o fizesse.
Estava sentado no lobby com o frasco em minha mão tentando entender alguma coisa,
ou construir ao menos uma idéia. Por que uma mulher passaria uma mensagem de socorro daquele jeito? Será que ele a sufocava e a controlava a ponto de asfixiá-la? Olhei o relógio e decidi sair. Queria andar, olhar as ruas, as pessoas e me perder. Andei umas quatro ou cinco horas, entrando nas livrarias e tomando café nas cafeterias sem o receio de ser enxotado, como ocorre em muitas capitais brasileiras.
Ao entrar no hotel, um grande rebuliço estava ocorrendo. Policiais e peritos circulavam com rapidez. De repente, vejo ao fundo uma maca sair de um dos elevadores, com um corpo dentro desses plásticos cinzas com fecheclair. Atrás, vinha caminhando a bela mulher. Subitamente, ela estancou próxima a mim e veio me perguntar pelo frasco. Rapidamente, tirei-o do bolso do paletó e lhe entreguei, e com um cuidado extremo o guardou na bolsa. Havia um leve sorriso enigmático nos seus lábios e me falou em português bem claro: “Obrigada, mas não fui eu, quem escreveu as mensagens. Foi ele! E apontou o corpo que saía do hotel. “Já limpei os espelhos, não se preocupe. Ah, ia esquecendo, guardarei suas digitais neste frasco que na realidade contém certa substância mortal”. Dito isso, saiu do hotel e desapareceu.
Dia seguinte, ainda atordoado, perguntei ao porteiro sobre a causa mortis e ele me disse
que o homem morrera de um ataque cardíaco após o café da manhã e completou, que deixara toda a fortuna para a sua esposa e disse mais: ele era completamente surdo e mudo.
Daquele dia em diante, ao saber que ajudara uma assassina, tornei-me um autêntico
transtornado obsessivo compulsivo. Não entro nem no meu banheiro, sem antes passar álcool em todos os espelhos.

segunda-feira, 22 de junho de 2009

Pes-de-pato surreal

“Plac-plac-plac-plac...placplacplac...plac-plac-plac”...O silêncio foi quebrado e minha paz acabou nas mãos de um doido varrido. Lá embaixo estava ele, batendo umas nadadeiras de borracha uma na outra, que fazia um ruído seco e alto: “plac-plac-plac”. Era um rapaz, que executava um polichinelo com os pés-de-pato. Ficava olhando para o terceiro ou quarto andar e gritava um nome, que eu não entendia. Isso era coisa de alguém chamando a namorada? Bolas! Que coisa sem nexo, ficar batendo palmas e perturbando a vizinhança, que também chegava à janela, para conferir a fonte do desatino. Ele não cansava. Decidi tomar uma atitude.
Gritei. Você aí! Quer parar com isso! Pára com o barulho, seu maluco! Nem me ouviu. Me ignorou por completo. Que raiva me deu. Agora tem que ser água nele. Moto-contínuo a idéia, percebi que alguém já estava jogando água, mas eram umas gotinhas, que nem garoa. Isso não iria molhá-lo. Queria jogar um saco de plástico cheio de água. Dar um banho daqueles pra despachar de vez, aquele peste dali... Não foi isso que fiz.
Subitamente, só posso dizer isso. Subitamente, estava no térreo e indo ao encontro do destrambelhado. Ao chegar diante dele, tive uma percepção diferente do ruído. Não era mais plac-plac-plac. Que coisa estranha, era ping-ping-ping... Olhei para cima, na direção da janela. O ruído vinha dali e constatei que o plac, agora era ping. As gotas caíam ininterruptamente sobre a caixa metálica do meu ar condicionado vindo do aparelho de cima. Acabara de acordar!
Acredite, estava sonhando com um doido batendo palmas com pés-de-pato: plac-plac-plac, mas se tratava de uma perturbação real e meu inconsciente produziu um pesadelo. Ah, não! Levantar a essa hora.
Como não houvera resolvido a questão no sonho, agora, não tive escolha: joguei um tapetinho de banheiro sobre a caixa e voltei a dormir. Que delícia é o silêncio.


FIM

sexta-feira, 19 de junho de 2009

O Clone do Belga



Ninguém sabia do paradeiro do menino. Simplesmente desaparecera. Ninguém viu o que ocorrera, embora o pessoal da vizinhança fosse categórico: “o menino estava na praça o tempo todo”. Um motorista de táxi chegou a relatar ao policial, que lá pelas oito da noite, havia parado seu carro junto à praça e que o menino havia lhe enchido o garrafão com água para completar o radiador. “Então, foi de madrugada, disse alguém, enquanto o povo dorme, os gatunos e pervertidos agem”.
Os jornais do dia seguinte já estampavam notícias sobre o desaparecimento do menino, mas nenhuma informação concreta serviu como pista do paradeiro daquele pretinho sorridente. Diziam que ele tinha origem belga, sabe-se lá por que razões. O fato era que ele era muito saliente. Nunca se calçava e sempre sem camisa. Pra falar a verdade, ele estava sempre nu! Vez ou outra e muito raramente, ele aparecia vestido com uma camisa listrada de cores bonitas e isso era um acontecimento onde morava. Pasmem, chegava haver foguetório e businaço. De modo geral, todos gostavam dele e não havia quem não contemplasse seu jeito maroto e digamos, fluídico...
Quem sabe se algum ensandecido e recalcado, sentindo-se incomodado com as impertinências do moleque, resolveu seqüestrá-lo e acabar com seu jeito meio despudorado de ser. Era uma pista que a polícia não deveria descartar. Assim creio o que ocorreu.
As chamas da fornalha pareciam querer saltar, quando o homem, se é que podemos chamá-lo de homem, abriu a portinhola do forno da fundição. Sua cara avermelhou-se ao ser iluminada pelas chamas e ao se mover, sombras bruxuleantes revelaram a feiúra do monstro. Havia um estranho sorriso, de vingança talvez. O pretinho, nu, deitado no chão e completamente imóvel, esperava sua hora final.
Ninguém se deu conta do que iria acontecer. A polícia não tinha sequer testemunha e esse seria mais um caso de desaparecimento ou de rapto, que somente anos depois poderia ser resolvido.
O monstro decidido a cometer um assassínio tão brutal, tomou o menino nos braços e sem piedade qualquer, motivado por míseros trocados, lançou-o às chamas. Esse foi o mais doloroso e cruel fim que deram ao Manequinho. Mascote do glorioso Botafogo Futebol e Regatas.
Esse fato é real. Ocorreu em Botafogo, no Rio de Janeiro, lá pelos idos de 1990. Não houve botafoguense que não tivesse chorado pela maldade, sabe-se lá de algum desnaturado rubro-negro, tricolor ou vascaíno. Anos depois, um novo Manequinho apareceu por lá. Esse novo, carioca da gema e clone do belga, veio para continuar alegrando a cidade com seu chafariz.
Foto: Tito Martins

sexta-feira, 12 de junho de 2009

O Esquecido

Os pequenos olhos negros de Hugo percorriam com avidez, a imponente fachada da
Biblioteca Nacional. Plantado num ponto de ônibus, segurando a mala e um guarda-chuva,
observava as mansardas carregadas de pátina e o ecletismo das formas do edifício. Pensou nos
livros raros e antigos, nas revistas disponíveis para leitura e na oportunidade obtida para
desenvolver sua pesquisa. Há muito, aguardava a autorização da Biblioteca, mas finalmente
conseguira. Aproveitaria o recesso das aulas da faculdade, para completar sua dissertação sobre
a influência francesa na arquitetura do século XIX.
Estava cansado, devido à longa viagem desde o interior de São Paulo. Seu ônibus foi
obrigado a socorrer outro, enguiçado e, o que estava sendo uma viagem folgada, tornou-se um
aperto com a entrada dos novos passageiros. Foi premiado com um homem gordo e bafejador,
que passou o restante da viagem mexendo em papéis, que tirava e guardava na velha pasta
surrada. Espremido contra a janela, só pensava em chegar.
Na rodoviária da Praça Mauá pegou as direções certas e seguiu de lotação pela Avenida
Rio Branco. Desceu no último ponto da Cinelândia. Que nome lindo, pensou, terra dos
cinemas...Com seu olhar atento, identificou todas as edificações: Theatro Municipal de um lado,
Museu de Belas Artes do outro e a gloriosa Biblioteca Nacional...Era a primeira vez, que vinha
ao Rio de Janeiro, aliás, era a primeira vez que saía de Sorocaba. Nem mesmo a capital paulista
conhecia. Não podia contar com as vezes que fora com sua mãe, ainda pequeno.
Seu plano de chegar na sexta-feira, lhe daria a oportunidade de conhecer as belezas
naturais da cidade. Queria visitar o Cristo Redentor e o Pão de Açúcar. Também não faltaria
um banho de mar em Copacabana, com todo cuidado, porque não sabia nadar. Voltaria na outra
quarta-feira.
Um esbarrão de um apressado ao tomar um carro de praça, fez Hugo voltar à realidade.
Atravessou a avenida e entrou pela primeira vez no santuário das letras. A imponência do
saguão chegou a comovê-lo pelos detalhes artísticos. Afinal, era um esplendor que correspondia
com a importância da Capital do Brasil. Avistou um balcão de madeira e tampo de granito, com
uma funcionária impecável. Dirigiu-se para ela:
-- Boa tarde. Sou aluno da Faculdade de Arquitetura de Sorocaba. Recebi a autorização
para pesquisa...meu nome é Hugo Mor...Antes de concluir, a funcionária antecipou-se:
-- Já estou com sua ficha na mão. Foi assinada hoje pela manhã, pelo chefe do setor de
coleções, mas sua autorização inicia na segunda-feira e não hoje.
-- Entendi. Cheguei a pouco de viagem e vim dar uma passadinha e aproveitar o fim de
tarde, disse Hugo.
-- Então, aproveite para conhecer o salão de leitura. Quanto aos seus livros, somente
na segunda-feira, tá bem?
Assim, Hugo obedeceu. Deixou seus pertences no outro balcão e seguiu ao imenso salão
de leitura. Aproximou-se de uma mesa comprida com diversos jornais do dia. Escolheu o
Correio da Manhã e sentou-se para ler. Poucos minutos depois, um frêmito tomou o seu corpo, o
farfalhar do jornal despertou outros leitores ao redor, que observavam o espanto do rapaz.
A seção de obituários continha a seguinte nota: Falecimento do Sr Armando Mori –
enterro hoje às 17 horas no Cemitério São João Batista. Caramba, será que é aquele tio do
meu pai, meio esquisitão, que mora aqui no Rio, pensou.
Já passava das quatro e meia da tarde, quando de supetão, Hugo pegou suas coisas e
ganhou a avenida. Carro de praça, não! Fora alertado dos motoristas portugueses que rodavam
sempre um pouco mais, quando o passageiro era turista. Foi de bonde.
Eram vinte minutos passados das cinco, quando finalmente entrou na capela. Havia
poucas pessoas e somente uma coroa de flores. Ao perceberem sua chegada, todos se voltaram
para o intruso. Hugo chegou a rodar os calcanhares, para cair fora dali, quando inesperadamente,
uma mão pousa sobre seu ombro imobilizando-o. Assustado, virou-se para a pessoa e, eis quem
estava à sua frente: o gordo bafejador!
Minhas condolências, disse, pegando a sua mão, que desaparecera dentro da dele. Ao
livrar-se do paquiderme, os outros já o haviam rodeado e agora o cumprimentavam, prestando
seus pêsames. Hugo atordoado, ainda não sabia o que fazer, explicar o engano ou fugir do
embaraço, embora havia algo que necessitava um esclarecimento. Podia ser seu tio de segundo
grau, sabe-se lá qual era mesmo esse grau. Após os cumprimentos, o corpo foi logo despachado
para a sepultura e ainda sem o momento certo de fazer suas perguntas, acompanhou o féretro,
até o lugar de descanso.
Lá, o gordo aproximou-se de novo e antes que Hugo abrisse sua boca o outro disse:
-- Não diga nada, meu jovem. Sinto muito pela sua perda.
Hugo aquietou-se por uns instantes, afinal, até poderia ser seu parente, mas, como eles
poderiam saber?Pensou.
Após o enterro e depois de receber os últimos cumprimentos, Hugo decidiu esclarecer os
fatos, antes que o rolo aumentasse. Aproximou-se do “peso pesado” e disse:
-- Senhor, não sei o que o leva a pensar no meu parentesco com o morto, muito embora
tenhamos o mesmo sobrenome. Eu nem o conhecia, arrematou.
-- Meu jovem, aqui no Rio de Janeiro, pessoas como você são poucas. Ao vê-lo, deduzi
logo: é da família! Além do que, Seu Armando não tinha parentes aqui.
Eis que de repente, Hugo deu um tapa na própria testa:
-- É verdade...isso sempre acontece, esqueci o puxadinho dos meus olhos.


FIM