sexta-feira, 27 de março de 2009

"O segredo de Freud"

Personagens:

Moisés - patriarca do povo hebreu
S. Freud - pai da psicanálise

Cena única: em algum lugar entre o céu e a terra, Moisés e Freud conversam.



Moisés
Tenho que admitir que você foi brilhante com a sua conclusão sobre a minha origem egípcia, embora um tanto cruel.
Freud
Obrigado. Toda verdade quando revelada é cruel, às vezes até insuportável para quem é dirigida.
Moisés
É sempre desgastante para ambos os lados. O homem não vive sem as ilusões.
Freud
Mas, ocasionalmente, alguns segredos devem ser expostos...
Moisés
E você foi um dos raros homens incumbidos dessa tarefa...digamos, divina.
Freud
É porque se torna impossível reter a verdade dentro de si. Tem que compartilhar a dor.
Moisés
Eu também tenho uma verdade e aguardei longo tempo e já não posso mais segurá-la dentro de mim.
Freud(surpreso)
Você? mas, que valor haveria de ter uma verdade a ser revelada, nesse estado em que nos encontramos?
Moisés
Engano seu. Pois mesmo nós, aqui, nesse lugar sem-nome, nessa nuvem, devemos revelar certas verdades ocultas.
Freud
E que verdade é essa?
Moisés
É uma verdade sua...um segredo seu.
Freud(curioso)
E qual é?
Moisés
Você é um homem religioso! Sempre foi e sempre escondeu de todos. Um problema de aceitação. No fundo, você mentia para ser aceito nos seus "círculos científicos".
Freud
Quem jamais mentiu?
Moisés
Você por ser um homem religioso, você profanou a Arca da Aliança. Usou-a para construir o seu modelo de psiquismo humano. Aquilo que você chama de 2ªTópica.
Freud(defendendo-se)
E isso é uma mentira?
Moisés
O seu orgulho é! A sua invenção de Ego-Id-Super-ego, já estavam dentro da Arca da Aliança há 3600 anos passados. Isso você não revelou!
Freud
Eles não acreditariam.
Moisés
Talvez. Sempre foram influenciados pelas idéias gregas.
Freud
Entendi o significado daqueles elementos dentro de uma caixa de ouro e percebi que a psicanálise só poderia ser fundada por nós, os judeus.
Moisés
Ao não revelar as origens da sua descoberta você tornou-se um religioso, pois como um rabino, escondeu o simbolismo dos objetos que eu guardei no interior da Arca por ordem do Criador. Ao fazer uso das tábuas, Deus criou a Lei e você tomou-a para idealizar o Super-ego. Ao guardar o bordão de Arão, que floresceu e dava amêndoas, você, Freud, tomou-o como expressão do Id, repleto de pulsões livres. Quanto ao maná, que Deus me ordenou que fosse guardado como significado do sustento diário no tempo do deserto. Você usou como sentido da dura realidade cotidiana experimentada pelo Ego.
Freud(resignado)
Admito minha fraqueza. Fui vaidoso, mas já não tem importância nessa dimensão em que nos achamos, não é mesmo?
Moisés(sarcástico)
Sinto muito desapontá-lo Freud. Essa nossa nuvem virtual está conectada à internet e eles lá embaixo vão saber desta história. É melhor que seja assim, afinal, não há segredo que um dia não seja revelado.

Um comentário:

Savio Gomes música&poesia disse...

Caríssimo Robertson:

Que texto genial! Isto numa peça de teatro, deixaria a platéia sem respiração!
Vou copiar e mandar para o Paulo Arthur Buchvitz, Psicanalista e Professor e Orientador da minha Tese. Ele vai ficar encantado!
Grande texto! Obrigado!