segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Bate Rebate

– Pois é, seu doutor, não sei como esse menino pode quebrar o pé chutando uma bola.
– Isso acontece, não é mesmo, Renatinho? Até os bons jogadores se machucam...Ele vai ficar com esse gesso, durante uns trintas dias. É o tempo necessário para desinchar o pé, só houve uma pequena fratura, que rapidamente soldará. Logo, logo, voltará a jogar bola.
– A minha mãe vai deixar eu jogar bola...
– Eu deixo, é só você ter cuidado...
Voltaram para casa e o Renatinho com a bota de gesso. Ao chegarem os meninos ainda jogavam bola, no mesmo local onde havia se machucado. Pararam e calados observavam o Renatinho entrar em casa. Havia um deles com um sorriso maligno.
Ele ficou amuado o tempo todo que passou com o pé quebrado, não saiu uma única vez, nem para ir à casa da Terezinha, que sempre lhe chamava para brincar, depois do colégio. O tempo passou, mas a lembrança não apagou, ficou com um pequeno defeito no pé.
­– Você não se lembra de mim?
– Não...mas, assim, vagamente, acho que me lembro...Lá da rua, em Cascadura, não é?
– Exatamente, uns vinte anos atrás, quando eu implorava para jogar bola com vocês, os mais velhos, donos da rua. Você se lembra do dia em que fui parar no hospital?
­– Não me lembro. Eu me mudei de lá.
– Se lembra sim. Você não sabe, mas hoje é o dia mais feliz da minha vida. O acaso fez com que nos encontrássemos. Agora, você apareceu aqui no clube, para fazer um teste, não é?
– É. Acho que ainda dá pra mim.
– Isso nós vamos ver. Bem, como você deve saber, eu sou o treinador daqui e sempre que vem um jogador pedir pra treinar, eu sempre peço pra eles baterem uns pênaltis, para saber se sabem chutar.
– Tá bem. Eu posso fazer, só vou calçar as chuteiras...
– Não! É sem chuteira, é descalço.
­– Descalço?
– É. Vou pegar a bola, enquanto você fica aqui e me aguarda chamar.
Renato foi ao vestiário e apanhou uma bola e seguiu para o lado oposto do campo. Pos a bola na marca do pênalti e chamou o goleiro. Depois apitou para o homem vir bater, mas mandou ele ficar no meio do campo.
– Você vai ficar aí e quando eu apitar você vem correndo e chuta com toda sua força e pontaria. Se você fizer o gol, eu deixarei que você treinar aqui, se não fizer, você deve por o pé na forma. Entendeu?
­– Entendi.
Renato recuou uns metros da bola e olhou para ambas direções, o goleiro e batedor estavam preparados. Apitou e o homem começou a correr mirando a bola e o gol. Sua velocidade foi aumentando e só faltavam poucos metros para o seu chute. Uma última olhada em direção ao goleiro e vumm. Um grito.
– Ahhh! Quebrei meu pé.
A bola de couro rolou somente alguns centímetros e o homem voou muitos metros à frente. Deitado na grama se lamentava.
– O que você fez comigo, ai ai ai?
– Pedi pra você chutar, mas você não reparou que era uma medicine ball de cinco quilos?
– Isso não se faz.
– Nem aquilo que você fez comigo, quando tinha sete anos de idade, quando você generosamente me mandou chutar uma bola de ferro, não se lembra? Passei 40 dias engessado por sua causa. Perdi aulas e fiquei com uma lesão irrecuperável. Agora é a sua vez. Pode ir por o pé na forma.
Renatinho sorria malignamente.

FIM

3 comentários:

Savio Gomes música&poesia disse...

Belo conto, Robertson!

Enxuto, elegante e com um ótimo desfecho, muito bom!

lourdinha disse...

ui, que vingança!Belo conto!!

Beto Rébula disse...

Obrigado, caros amigos, pelos comentários agradáveis, abs